sexta-feira, 20 de julho de 2012

RELATO DE UM SONHO







A caminho da escola - leia-se, da universidade-  a avenida que sobe está repleta de transeuntes, todos se dirigindo para o mesmo destino. Reclamam do atraso provocado pela enchurrada de gente, que os impede de serem mais velozes. Neste caminho, ouvimos barulho de aviões que, acima das nossas cabelas, começam a despejar volumes de algo que se assemelha a garrafas vazias de água, mas que sabemos serem bombas.

Demoram muito tempo a chegar ao chão. Fugimos, voltamos para trás, no caminho que tinhamos acabado de percorrer. Alguém tem na mão uma espécie de mapa e averigua quão longe temos de ir para nos afastarmos da catástofe criada pela queda das bombas. Nunca saberemos o desfecho causado pelas armas de destruição. Corremos por uma rua transversal e descemos, a partir do solo, por uma espécie de conduta vertical com degraus de metal. Uma rapariga parece comandar a fuga. Descemos por duas, três dessas condutas. Deixamo-nos escorregar como num poste de bombeiros, não vamos pela escada enferrujada. Finalmente, imperceptivelmente reunimo-nos  numa espécie de quarto. Até tem uma varanda. Os sobreviventes são pessoas que conheço -antigos colegas de escola, quando crianças- e os protagonistas de uma conhecida série televisiva, tão estranha como este sonho.

Queremos continuar a fugir às bombas que, julgamos, continuam a cair no mesmo exacto sítio onde foram vistas pela primeira vez. Alguns de nós descem mais uma conduta vertical. Está alguém hostil, perigoso lá em baixo e eles voltam, mas com um acordo, selado com alguém, de que podemos escapar em segurança. De alguma forma esse acordo, que deixa entrever que o perigo deixaram de ser as bombas, é quebrado. O grupo começa a dissolver-se, cada pequeno agrupamento procurando garantir a sua sobrevivência.

Não quero ficar sozinha. Digo a um personagem da série televisiva que não vá onde tem de ir. Ele parte com outro personagem; vão sozinhos, de mochila às costas como nos episódios da série. Os outros, os meus colegas de infância- entre os quais uma rapariga de quem nunca fui amiga e que não vejo há sete anos- entram noutra conduta. Um deles selecciona os participantes da expedição destinada, de alguma forma, a salvar todos. Lembro-me que achei machista a selecção, composta de quatro ou cinco homens e a tal rapariga. Não sei se eles voltam.

Alguém hostil entra no quarto e leva os que ainda ficavam. Apesar de sermos mais em termos numéricos, obedecemos. Eu não. Eles vão todos em fila, todos juntos, todos aterrados. Vão passando por outras divisões no caminho, coloridos quartos de brincar esvazidos dos seus ocupantes naturais. Mesmo sem os ver, desconfio que os outros, aqueles que  tentaram fugir, também lá seguem. Eu, que fiquei para trás, entro numa conduta, na varanda, volto a subir e entro noutra ao lado. Alguém me vê. Tenho de sair das varandas, volto para o quarto. Um amigo está lá, também ficou.

Nesse momento, a história acaba. Vejo finais que imitam os dos filmes para crianças, para os participantes daquela aventura. Finais muito coloridos, em animação, com abelhas maias: viveram felizes para sempre; viveram para sempre numa quinta muito verde e matavam apenas os animais maus - e lembro-me de pensar, ainda em sonho, que o holocausto animal era tão horrível como aquele que eu, neste sonho, recriava.

Fiz-me acordar, antes que quem levou os outros me viesse buscar e eu assistisse à minha própria morte sonhada. Acordei, achei tudo magnífico e vim escrevê-lo.


(Horas depois de ter acordado, escrito e publicado, releio e vejo que é perfeitamente disparatado. Mas é essa a magia dos sonhos.)